Não aceitar as redes sociais como ambiente de discussão é o mesmo que ser contra a livre expressão
O surgimento das redes sociais (Orkut, Myspace, blogs, Facebook, Twitter, dentre outros, além dos mais recentes Ning e Google Friend Connect) pode ser considerado um marco na história da humanidade, assim como foi o da própria internet
Hoje, não se consegue mais imaginar o mundo sem internet e, consequentemente, sem as redes sociais, que permitem, acima de tudo, a discussão de assuntos relevantes da maneira mais democrática possível. O Egito é o exemplo atual do caos sem conexão, em estar offline.
O blog se destaca no mundo inteiro e vem ganhando cada vez mais adeptos no Brasil. Segundo Beto Tercette, no texto “O surgimento dos blogs e sua importância”, os blogs passaram de simples diários virtuais, onde as pessoas postavam informações constantes sobre suas vidas, para ferramentas indispensáveis para quem deseja construir uma boa reputação na internet. “São importantíssimos para você que gosta de escrever e acredita que seu conteúdo possa ser relevante para a comunidade que lê sobre o seu assunto”, afirma.
O uso político das redes sociais no Brasil, no entanto, vem sendo questionado, desde quando começou a incomodar, principalmente a quem tem muito a esconder, principalmente os políticos com processos na Justiça, acusados de vários crimes, principalmente os eleitorais. No ano passado, choveu de ações nos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra jornalistas que denunciavam os crimes eleitorais em seus blogs e no Twitter. O FatoReal é um exemplo disso.
Criado no início de 2008 para servir de ferramenta de compartilhamento de idéias e pensamentos a respeito de variados assuntos, o FatoReal alcançou seu pico de audiência durante as eleições do ano passado, chagando à marca de 2.547 acessos no dia 28 de outubro, tendo mantido uma média diária de 2.000 acessos durante toda o processo eleitoral.
Os processos na Justiça Eleitoral também se avolumaram, à medida em que o blog publicava mais denúncias de cometimento de crimes eleitorais no Estado de Roraima. Somente nos meses de setembro de outubro, o blog publicou 150 textos denunciando crimes eleitorais. Entretanto, a cada texto publicado e a cada ação na Justiça, mais crescia a audiência do blog.
Mas a perseguição ainda não cessou. O espírito censurador ainda paira sobre Roraima. Veja o que disse nesta quarta-feira (2) o secretário de Estado da Comunicação de Roraima, Rui Figueiredo, no Facebook: “Criou-se uma onda de blogs oportunistas impressionante. Sem futuro, haja vista a falta de credibilidade de quem os assina. São figuras que usam o espaço na internet para defender os seus interesses e para fazer ataques muitas vezes pessoais a políticos com mandato. A crítica é válida, mas deve ser feita de forma ética.”
Não é de se estranhar tal posição de Rui Figueiredo, embora enquanto assessor direto de um chefe de Estado ele precisasse ser mais ponderado, mais cauteloso no que defende, para não ser confundido entre aqueles que tentam cercear a liberdade de expressão e estão a anos-luz da realidade atual, enclausurados ainda na era em que jornalistas eram presos e torturados devido suas posições contrárias aos detentores do poder.
Quando se diz (ou se escreve) algo impensado, especialmente em uma rede social, a resposta é imediata. Sâmara Noronha Ismael entrou na discussão. “Liberdade de expressão, concordo em parte, uma vez que os jornais geralmente são partidários. Eu não tenho preferências políticas, ainda mais ai em Boa Vista. Mas, sendo sincera, quem não gosta de falar mal de político? Eu adoro.”
O jornalista e advogado J. R. Rodrigues, uma das vítimas das tentativas de cercear a imprensa em Roraima, saiu em defesa dos blogs. “Em alguns casos os blogs são as únicas coisas verdadeiras, as únicas formas de divulgar algo, de criticar algo, principalmente em casos como Roraima, onde a mídia é amordaçada para mais ou para menos. Talvez o lugar do mundo onde a mídia seja mais mal utilizada. A imprensa de Roraima, com raras exceções, nunca poderia ser chamada de imprensa. São palanques eletrônicos que servem aos interesses de seus donos ou dos donos de seus donos”, disse.
Para J. R., a cultura da bajução não é privilégio apenas do Brasil. “O caos que esta reinando em alguns países, como Jordânia, Egito e Tunísia se dá, dentre outros motivos, porque a imprensa não funciona como imprensa e sim como centro oficial bem pago de bajulação. Em outros casos, típicos de Roraima, a imprensa é usada para os donos dos meios e os donos dos donos atacarem seus opositores, exatamente como ocorre em regimes totalitários. Mas não há regime totalitário que não sucumba à força do povo quando este quer”, afirmou.
Ainda na opinião de J. R., com uma imprensa censurada perde toda a sociedade. “A imprensa de Roraima foi um lindo sonho. Hoje não passa de um pesadelo. Mas isso depende do papel de cada um. Com um governo repressor, perseguidor, a imprensa mingua e a sociedade perde. Com liberdade as coisas se consertam. Hoje o grito de socorro esta entalado. Não fossem alguns blogs, moraríamos NUMA FALSA SUÉCIA”, disse.
Reconhecimento público e a evolução inquestionável
Em agosto do ano passado, o TSE se posicionou de forma bastante contundente quando à importância dos blogs no contexto político, ao manter decisão do ministro Henrique Neves, que rejeitou pedido do Ministério Público Eleitoral (MPE) para aplicar multa por propaganda eleitoral antecipada contra o autor de um blog favorável ao presidente Lula, José Augusto Aguiar Duarte, e a Google Brasil Internet, provedora da página. “[As informações postadas no blog] representam a livre expressão do pensamento e a liberdade de imprensa, garantidas pela Constituição Federal”, disse o ministro na ocasião.
O mesmo entendimento do TSE também foi mantido no TRE-RR quanto à importância dos blogs na discussão política.”(…) É cediço que nossa Carta Magna no art. 5º, incisos IX e XIV guarda o princípio da liberdade de informação e opinião. Ainda, que a internet é hoje o principal meio de propagação e manifestação de pensamento. (…) Aquele que exerce o poder, pela própria natureza de suas funções está sujeito à criticas, pode-se considerar como um dos ônus do cargo exercido”, disse a juíza auxiliar eleitoral Tânia Vasconcelos, em 13 de setembro de 2010, ao julgar improcedente a Representação Eleitral (RP) nº 1396-18, movida pelo governador Anchieta Júnior, o PSDB e a coligação União por Roraima contra o FatoReal e seu idealizador.
Nas mãos de jornalistas experientes, as redes sociais se tornaram uma verdadeira ameaça para esses políticos, que não admitem perder seus postos e lutam com todas as suas armas (leia-se as máquinas públicas governamentais) para combater em uma luta perdida. Não tem mais volta. As redes sociais deixaram de ser virtuais e hoje são mais do que reais: fazem parte da vida política e cultural da população mundial. Quem não tem Facebook, ou Twitter hoje é considerado uma pessoa alienada, off, escluída do processo evolutivo, fora do contexto social mundial.
Na contramão dos políticos (e seus assessores e puxa-sacos) do contra, os mais “descolados” aproveitaram essa febre das redes sociais para promover seu nome e fazer uma campanha mais abrangente nas últimas eleições, saindo da mesmice dos comícios, bandeiradas nos cruzamentos de grandes avenidas e visitas domiciliares.
Para o jornalista e especialista em marketing político, Gaudêncio Torquato, as redes sociais podem mudar a cultura de participação dos brasileiros no processo político. “Agora, existe a opinião pública virtual, que é muito influenciada pelo que circula na internet. Nunca se viu tanta propagação de mensagens de interesse político na internet: se acontece um escândalo, uma votação polêmica em Brasília, imediatamente as pessoas começam a se manifestar nos blogs e twitters”, observa.
Outro defensor das ferramentas da internet como ferramenta jornalística é o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) que, em recente comentário em matéria no FatoReal, disse ser válido o uso de todos os meios para fazer chegar até as autoridades competentes as denúncias sobre corrupção. “Temos que colocar na internet, pelos diversos meios, todas as denúncias contra a corrupção e solicitar providências do MPF, PF, TCE e da Justiça, além da imprensa. Não podemos deixar que eles ganhem tempo, façam seus crimes caírem no esquecimento e, no final, não sejam punidos”, enfatizou.
O uso cada vez mais constante dos blogs por jornalistas e políticos é o tema do artigo “Blogs de política, blogs de políticos e a influência na cobertura jornalística”, de Juliano Borges, doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ).
“Os blogs trazem modificações importantes no que diz respeito ao grau de autonomia e de interação entre os campos da política e do jornalismo. Por um lado, eles oferecem ao jornalista a possibilidade de maior liberdade editorial, funcionando, no interior do campo, como meio de autonomização capaz de permitir notícias, comentários, análises, críticas e furos jornalísticos marcados por alto grau de individuação. (…) Por outro lado, no entanto, o funcionamento horizontal da rede garante o mesmo instrumento de comunicação a outros atores, inclusive fora do jornalismo, podendo anular, em parte, o efeito distintivo proporcionado pelos blogs aos ‘profissionais da comunicação’”, afirma.
Segundo o site br.br101.org, um estudo preliminar divulgado recentemente pelo Pew Internet & American Life Project, em parceria com a Buzzmetrics, dá uma abordagem interessante sobre a influências dos blogs políticos (A-list) nas eleições 2004 nos EUA. A pesquisa compara o buzz (um monte de gente falando da mesma coisa) gerado pelos blogs com fóruns, chats, a mídia tradicional e as mensagens oficiais de democratas e republicanos.
“A blogosfera é, claramente, uma grande adição para o discurso nacional. Mas precisamos ser cautelosos no que diz respeito ao poder de determinada blogueiros políticos. Esse poder aumenta e diminui consoante o tipo de informação disponível, o comportamento de outras vozes do público e a tendência de formas e formatos de internet a evoluir de uma forma muito curto espaço de tempo”, disse o Dr. Michael Cornfield, consultor sênior de pesquisa do Pew Internet & American Life Project.
Hoje, no mundo, são mais de 147 milhões de blogs e mais de 52 mil foram criados nas últimas 24 horas, segundo o BlogPulse. Daniel Sayon informa, em seu artigo “A Evolução das Redes Sociais e a Publicidade”, que uma pesquisa realizada através do instituo de pesquisa IBOPE/NETRATINGS o “impacto” da publicidade em redes sociais é 500 vezes maior do que em outras mídias, o que demanda cautela na hora de elaborar a campanha, pois uma rede social é acima de tudo um fator influenciador e seus membros são formadores de opinião. “Não sabemos o futuro da sociedade, mas o futuro da comunicação, sem dúvida esta nas redes sociais!”, assegura.
“O estudo da Pew e BuzzMetrics multi-canal sobre esse período marcante na política americana é o primeiro de seu tipo, e está ajudando a construir um novo quadro para a compreensão do zumbido e seu impacto sobre a sociedade subjacente”, disse Jonathan Carson, presidente e CEO da BuzzMetrics. “Com a fragmentação social e de mídia, bem como o rápido crescimento das redes digitais, devemos nos perguntar qual o impacto que está sendo feita em instituições sociais como a política, mídia e nossa agenda nacional. Esperamos que nossos resultados irão alimentar o debate e gerar uma análise mais aprofundada para compreender melhor esses fenômenos recém-observável. ”
Diante de todas essas constatações e opiniões contundentes de tantos especialistas no assunto, não adianta esperpernear, reclamar. As redes sociais (em especial os blogs) chegaram para ficar, como a última e definitiva força sustentadora (ainda mais poderosa que a legislação) da liberdade de expressão, de imprensa e de pensamento, por mais medíocre que ele seja.
WIRISMAR RAMOS – da Redação (e-mail: wirismar@gmail.com)
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